A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A HORA PROPÍCIA


Hora de se pensar em voz alta
no terraço das trepadeiras.
A claridade quase morta
esmalta
os vidros da janela e borda
de fios de ouro o leque das palmeiras.

Hora em que não há mais distâncias; hora
em que a primeira estrela vem ouvir na sombra
o canto verde da primeira rã;
em que cada palavra tomba
e se desenrola
silenciosa como um novelo de lã.

Guilherme de Almeida
in 'Meu'

KREATIV BLOGGER


Recebi de meu querido amigo Fernando Campanella, do blogger PALAVREARES, a indicação para o prêmio KREATIV BLOGGER.

Gostaria muito de agradecer ao amigo Fernando a honra concedida e compartilhar com todos os amigos do blog, pois ele existe por vocês...
Beijos.

SOLENE MÚSICA DO ENTARDECER



ALLEGRO

Nuvens esgarçam-se; do céu em brasa
errante luz bruxuleia sobre vales ofuscados.
Pando com o vento quente procela
fujo a passo incansável
Atravessando uma vida nublada.
Ah, se por um instante
ao menos, entre mim e a luz eterna
uma propícia borrasca soprasse o cinzento nevoeiro!
Estrangeira é a terra que me cerca:
leva-me longe, arrancado da pátria,
de um lado para outro o poderoso vagalhão do destino.
Vamos, vento: corre com essas nuvens,
rasga esses véus
para que a luz me possa cair sobre os incertos atalhos!


Hermann Hesse
in Andares

segunda-feira, 28 de março de 2011

Canções sem palavras


Pouco a pouco desfolharam-se as rosas
em todos os jardins iniciando o enredo
das chuvas sobre as casas.
Estávamos no mês em que os crisântemos
se tornam mais brancos.
Contra a luz não ousávamos quebrar
o silêncio que na música se abrigava.
Schubert e as canções sem palavras.
O arco da voz preso no violoncelo.
O piano e o rumor sublime dos anjos.
Escutávamos a palavra não dita da sonata:
o azul dos lírios em quintais antiqüíssimos!

Graça Pires
De O silêncio: lugar habitado, 2009

sábado, 26 de março de 2011

Dora Ferreira da Silva

Ai, não ter a vida provas de revisão
para mudar-lhe as vírgulas, acrescentar-lhe
pontos de interrogação
e sobretudo passar a limpo dores e amores
arranjar vasos de flores, ter um gato de
estimação,
ouvir a rolinha a consolar-lhe a aflição...

Ai, não ter a vida provas de revisão
para endireitar-lhe as linhas, trocar palavras
e afinal arrancar as páginas todas do livro
e suprimir-lhe a edição.


Dora Ferreira da Silva
de JARDINS (esconderijos)
São Paulo: Edição da Autora, 1979. 125 p.

quinta-feira, 24 de março de 2011

O SONO DAS ÁGUAS


Há uma hora certa, no meio da noite,
uma hora morta, em que a água dorme.
Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folha
geme adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono...


Guimarães Rosa

quarta-feira, 23 de março de 2011

Outono

uma aragem
uma estação
um rito de passagem...
um cão sem pelo
...em cima do muro:
não é lava nem gelo
nem claro nem escuro
uma luz quase sedada
em transição
(as árvores confrangem;
os ursos já estendem
suas camas)
um sopro
esta alma esvoaçada
um verso
uma folha de mim
à tua janela
deixada.

Fernando Campanella

segunda-feira, 21 de março de 2011

Chanson d'Automne


Les sanglots longs
Des violons
De l’automne
Blessent mon coeur
D’une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure

Et je m’en vais
Au vent mauvais
Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.

Paul Verlaine

Canção de Outono


Os longos sons
dos violões,
pelo outono,
me enchem de dor
e de um langor
de abandono.

E choro, quando
ouço, ofegando,
bater a hora,
lembrando os dias,
e as alegrias
e ais de outrora.

E vou-me ao vento
que, num tormento,
me transporta
de cá pra lá,
como faz à
folha morta.


Paul Verlaine
Tradução: Onestaldo de Pennafort

Canção do Outono


Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh'alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.

Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido...

Paul Verlaine
Tradução: Alphonsus de Guimaraens

Canção de Outono

Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora.

E vou à toa
No ar mau que voa.
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.

Paul Verlaine
Tradução: Guilherme de Almeida

domingo, 20 de março de 2011

EM SURDINA


"Chacun de nous a sa blessure; j'ai la mienne.
Toujours vive elle est là, cette blessure ancienne."
(Rostand)


Ouve. É tão tarde! A música do vento
Embalou-me, de leve, o pensamento
E fez-me, sem querer, pensar em ti.

Lembras? Reinava em torno a primavera
Tu foste bom e crente, eu fui sincera,
Áureo sonho de amor, que não revi.

Depois... Que importa? O mundo permanece,
A vida segue e um dia, a gente esquece
Aquilo que supôs nunca ter fim.

As estações variam, correm anos,
Multiplicam-se os nossos desenganos,
Que a lei universal ordena assim.

Mas, se tudo morreu, por que agora
Eu, que desprezo o coração que chora,
A uma saudade inútil sucumbi?

Ouve e perdoa. É a música do vento,
Que me embala de leve o pensamento
E faz-me, sem querer, pensar em ti.


Alba Saltiel Bianco
In Música do Vento

Do blog da amiga Dione Coppi

Obs; A citação em francês, (da autora), pertence ao livro Cyrano de Bergerac de
Edmund Rostand -

terça-feira, 15 de março de 2011

O SOM DAS ÁGUAS DOCES

Fazer feito o fiel verdureiro:
equilibrar nos ombros largos
dois cestos; ambulante resoluto -
presença diária no pequeno mundo
da enorme fome dos homens simples.

Conferir, compete ao aventureiro:
cada conta pendurar no avental
de quantos aventam saltar,
de inteiro corpo, na tempestade
da afoita vida dos homens simples.

Atentar, cabe àqueles que expiam
tantas perdas; que sonham oceanos
de inéditos pecados ao pé do altar.
Do profano ao sagrado, cabe àqueles
espionar a fantasia dos homens simples.

Avançar, confere venturas a quantos,
atrevidos, gravam nos seixos dos rios
o inominável, o índigo, o quieto Quasar,
e o som dos espíritos das águas doces -
que banha a vida dos homens simples.


Jairo De Britto,
em “Dunas de Marfim”

segunda-feira, 14 de março de 2011

'A incidencia da Luz'

Dia 19 de Março de 2.011, lançamento do mais novo livro da maravilhosa escritora portuguesa Graça Pires. 'A incidência da Luz'.





Para visualizar na integra, clicar no convite.
Tomei a liberdade de aqui transcrever, copiado do blog da autora,
por ser ardente admiradora de sua preciosa obra.
A ela desejamos absoluto SUCESSO!



Nada Sei

Nada sei da sedução da morte nos olhos
dos pássaros atingidos pelo trilho dos incêndios
no interior das searas.
Não sei que nome dar ao momento
exacto em que a luz pode ferir
a obscuridade da lua nova
dispersando as aves nocturnas.
Ignoro quais as palavras propícias
à vertigem das nuvens, em novembro,
quando as águas dos temporais
alagam os meus olhos.


Graça Pires
De O silêncio: lugar habitado, 2009

As Aquarelas


Não penso azul, nem verde, nem vermelho,
nenhuma cor vejo isoladamente:
quero a vida total, como um espelho
a que não falte flor, folha ou semente.

A natureza, neste abril redondo,
esconde formas, seres, linhas, cores,
aqui e ali bizarramente pondo
manchas involuntárias, multicores.

Recuso-me a adotar bandeira ou marca.
Nada escolho. O mistério natural
me envolve inteiro. Em tuas aquarelas

tudo renasce — como quem da barca
do dilúvio, depois do temporal,
visse de novo a terra das janelas...

Odylo Costa Filho
In:"Boca da noite"

quarta-feira, 9 de março de 2011

Digo ao Vento


se abro minhas cartas
como nervuras ao tempo
não se engane que sou frágil
ou transpareço

- vão meus comboios ao relento
eu retardo
há em mim silêncios de esfinge
sou o cristal que me guardo


Fernando Campanella
(Do blog do autor)

Tempo

Temperatura em elevação,
nuvens isoladas de ausência.
Nebulosidades aumentam
no decorrer do período .
Ao pôr-do-sol,
pancadas de saudade.


Edival Perrini
de 'Traços do ofício'

quinta-feira, 3 de março de 2011

De Gilberto Mendonça Teles


À Linha da Vida


A que, visível, se interrompe
na palma da máo, decisiva:
a ultrapassagem do horizonte
pelo lado avesso da escrita.


À Linha do Universo


A que, invisível, se deleita
no olho sensual da fechadura:
a letra (aleph) e seu pentelho
no espaço-tempo que se enruga.

E, anjo ou demônio, pinta o sete
mas tão relativo e medroso
que o tom azul logo se perde
na linha de fundo do esboço.


À Linha-d’água


Visível enquanto invisível,
compõe seu ritmo avergoado:
a imagem se imprime no nível
do que está deste e do outro lado.

Por sob a carga o sonho e o medo
de haver perdido e haver ganhado:
no contrabando do segredo
o contrapeso do sagrado.

E o que ficou quase perdido
(o que me deixa envergonhado)
ainda viaja sem sentido,
meio à deriva,
e bem calado.


Rio, 1986.


Gilberto Mendonça Teles
De Hora Aberta

terça-feira, 1 de março de 2011

Post-scriptum


Tudo vem a seu tempo,
Um passo, um passo mais…
E estamos nos domínios
Das coisas irreais.

Aí é que nós todos
- Os loucos, os profetas -
Temos direito ao orgulho
De ser poetas.

Porque, depois de tudo
Somado e diluído,
Não há nada melhor
Que amar e ser amado.

Por isso vale a pena
Não ter menos nem mais
Que ter alegria - plena! -
Das coisas irreais.


Raul de Carvalho
(Alvito, Baixo Alentejo,4 de Setembro de 1920 -
Porto - 1984 -)

Memórias de Dulcinéia XX

Ao longo dos anos conservei
uma inesperada tristeza reflectida
em meus olhos cor da sede.
Pedra a pedra, casa a casa,
sombra a sombra vagueio
pelas sensações e aguardo
que se repitam os sonhos
que resistiram à violência do tempo.
Podia escrever com sangue
o instante, sem amparo,
onde reclinei a cabeça
para aguardar a morte
dos desejos.

Graça Pires
De Uma extensa mancha de sonhos, 2008