A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

FARRA DE CORES

A Primavera se avizinha:
raízes e letras
exigem sua hora e tempo.

Caminho pelo jardim.

Espinhos do alfabeto,
Azaléias da alma insone.

Caminho entre seixos.

Busco o perfeito aquário,
Onze-horas e algas
orientam os peixes.

Pedras, nuvens e letras noir.
Tudo anuncia a Primavera:
discreta, Almíscar, esperta.

Em torno dos homens
entorna suas flores, perfume,
brisa, maresia e malícia.

Palavras azuis sobre o mar.
Sobre o marfim, música,
frases, orquídeas raras.

II

A Primavera caminha anônima
como homens e mulheres na rua,
afoita com tantas luas.

A Primavera espraia
graça entre samambaias,
escala buganvílias, assanha roseiras.

Espio, solene, sapos e flores;
espreito folhagens, livros antigos.

Refaço e traço veredas,
espelho versos contra o sol.

Entre seios de nuas mulheres,
abrigo meus olhos úmidos:

Vermelhos antúrios
em fins de madrugada.

Calculo frações primas e veras;
pernas, seios, trepadeiras e lírios.

Estrelas avessas da manhã,
casuarinas de sonhos.


III

A Primavera se avizinha:
enlouquece românticos e céticos,
com sua farra de cores;
seu derrame de felicidade.


Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

“Imêmore”


Ah! O aroma das
laranjeiras em flor...
Me remete a tempos imemoriais,
tão antigos quanto a palavra
imemorial...

Quando tudo era grande,
fantástico e misterioso.
Hoje o que era grande
ficou pequeno,
o que era fantástico
virou banal
e o que era misterioso
perdeu o encanto.

A primavera
que está chegando
é apenas a estação do ano
ou é também a
estação da alma?
Não importa.
O canto do sabiá me leva
novamente
a tempos imemoriais!


Autoria desconhecida
-Portugal-1949-

'Ao menos uma vez em toda a vida'


Ao menos uma vez em toda a vida
A Verdade passou pela alma de cada homem...
Passou muito alto, muito vaga, muito longe,
Como os fantasmas, que mal chegam, somem,
Passou em sombra, num vôo refletida
No espelho da água trêmula de um rio...

Sombra de um vôo na água trêmula: Verdade !
Passou uma só vez em toda a vida
E sempre dessa vez a alma dos homens
Estava distraída,
E não reconheceu na sombra desse vôo
A ave ideal que planava no alto azul...
Quando volveu os olhos para a altura
Ela já ia desaparecendo...

Dela nada ficou no olhar triste dos homens,
Nem a lembrança de seu vulto incerto...
Passou uma só vez em toda a vida !
Sombra de um vôo na água trêmula: Verdade !
E esse vôo,
Que nunca mais voltou no mesmo céu deserto,
Nem ao menos deixou a sombra dentro d`água...


Raul de Leoni
de Melhores poemas
(1895-1926)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

'CONTRAFORTES'

(Foto by Fernando Campanella)

Neste abismo da beleza suspenso
que mal se me pergunto:
se não na terra, em qual
dos sete céus me encontro?

(Fernando Campanella)

FOOTHILLS

at this beauty abyss
suspended
what evil if I ask:
if not on Earth, in which
of the seven heavens
would I find myself?

Fernando Campanella

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Condorismo

Ah, quem me dera
voar como a nuvem no ar,
ar de primavera!

Delores Pires

terça-feira, 21 de setembro de 2010

'Primaveras'



I

A primavera é a estação dos risos,
Deus fita o mundo com celeste afago,
Tremem as folhas e palpita o lago
Da brisa louca aos amorosos frisos.

Na primavera tudo é viço e gala,
Trinam as aves a canção de amores,
E doce e bela no tapiz das flores
Melhor perfume a violeta exala.

Na primavera tudo é riso e festa,
Brotam aromas do vergel florido,
E o ramo verde de manhã colhido
Enfeita a fronte da aldeã modesta.

A natureza se desperta rindo,
Um hino imenso a criação modula,
Canta a calhandra, a juriti arrula,
O mar é calmo porque o céu é lindo.

Alegre e verde se balança o galho,
Suspira a fonte na linguagem meiga,
Murmura a brisa: - Como é linda a veiga!
Responde a rosa: - Como é doce o orvalho!


1° de Julho - 1858


Casimiro de Abreu
(4 de janeiro de 1839 — 18 de outubro de 1860)

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

DESCRENDO. . .


Hoje não encontrei horizontes. . .
não ouvi seus acenos
não toquei em suas brisas
não vislumbrei suas promessas
não aspirei suas carícias
não sorvi suas entregas


Por que será?
. . . pavoneiam-se de suas cores?
. . . já não me amam mais?
- levaram-nos
ou eu os perdi?


Oh! minhas inspiradoras auroras!
Oh! meus confidentes poentes!



Alviana Tzovenos
In: Buscas de Infinitos

REDES AO MAR

Em busca dos horizontes
serei sempre
pescadora de ilusões.


Em minha rede quimera
dormirão meus longos verões
criança sonho . . . primavera.


E nas manhãs e tardinhas
das minhas águas azuis,
meus doces verdes cardumes
os beijarei numa espera . . .


ao entoar minha Paz
abraçando noites-perfumes!



Alviana Tzovenos
In: Buscas de Infinitos

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Calaram-se os pássaros


Calaram-se os pássaros.
Regressou enferma
a ave que rasgou a sombra
das árvores em pleno verão
sem encontrar o caminho para a chuva.

Graça Pires
De O silêncio: lugar habitado, 2009

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

DAS TARDES, SETEMBRO RENASCE


Trazidas das tardes, setembro renasce,
da fala da moça à janela sombria,
da torre tão pútrida voz da abiose ,
das águas do rio deste brilho do dia.

Eira sem beira das frontes das casas,
estio que tangido da terra postada,
dos cães deste abril sós urrando do prado,
dos ossos sem fôlego quase das asas.

Da moça franzina cá parva de olhar,
das aves sem branco do céu destas nuvens,
dos tons azuis mortos das frontes das pontes.

Passagem dos rios desta pedra do mito,
tinir quase breve das folhas das margens,
passadas dos passos dos mortos do séquito.

Eric Ponty
(Minas Gerais)

'IX'


Setembro floresce em sapucaias,
vórtice de abelha
em aroma roxo-lilás.
Logo a flor será cumbuca de fruto.
Bendito o tempo entre floração e semente,
doce a amêndoa
do beijo que eu consigo roubar.


F Campanella
da série 'Efemérides'

´'MAR DE SETEMBRO'


Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
Fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
doceis, leves,só
alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam;
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto,
puríssimo, doirado.


Eugénio de Andrade
- In Mar de Setembro

terça-feira, 14 de setembro de 2010

VENTOS DO LESTE



Esta brisa de outono
me traz um poema de Bashô,
desperta aromas maduros ,
nascentes e frutos,
traz também o viés da vida,
fogo e cinza,
folha ressequida:

amplo leque de pretéritos
e prenúncios.

Este vento nos pinheiros do leste
tocou poetas longínquos
e agora ressoa minhas cordas:

já não sou o pária da noite,
o grande órfão do mundo.

Este sopro traduzido,
transportado a laranjeiras,
paisagens do meu quintal,
abre-me o grande livro da alma:

minha natureza é mãe e madrasta
de meus versos.

Fernando Campanella

MAGNÓLIAS


1


Tome-as nas mãos
e saberás por que magnólias
são fatais.


2


Se rasgares a pétala,
notarás fissuras no tecido.
Lâmina carnosa, cristal dissolvido em nuvem.
Nas nervuras há poros do mais puro branco.
Alvíssimo alvo.
Verás contudo que é Siena a cor de fundo.
Dessas calcinadas terras se colorem
as flores mortas.


3


À noite secretam perfumes.
Polinizam o ar.
Elas, ventres fecundos.


4


Perdidas as pétalas, resta íntimo caroço.
Sementes vermelhas brotam súbito,
lisas, alongadas.
Fava incendiada, rubra é a cor que requeres
para o mistério de seu viço alvar.

5


Depois da chuva alguma água restará no tenro cálice.
Mas não muita.
se contemplando te detiveres,
sucumbirás à excessiva luz.
Evita navegar na clausura desse mar.


Antonio Fernando De Franceschi
In: Tarde Revelada Poemas

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

'ÚLTIMA HISTORIA'


A terra viaja no céu –
O céu é dono da terra.


O mar é dono da terra –
A terra é dona do mar.


O barco viaja no mar –
O mar é dono do barco.


O homem viaja no barco –
O barco é dono do homem.


A alma viaja no homem –
O homem é dono do céu!



Homero Frei
In: Lado Alado

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

DA PROPENSÃO À PONTUALIDADE


Não é que eu tenha nascido em outra parte.
Muito menos, que me preocupe o tempo
em sua beleza de abstrata redondez lunática.
É que os minutos me mordem os calcanhares
formigas enfurecidas urgindo-me a fazer
a não me deter em função dos finais.
É muito certo
a pressa é um agulheiro na calma do insone
uma muralha na planície dos sonhos
um bebedouro de ilusões que amiúde falham
Não é que me avassale o medo do atraso
porém me esvai a magia
perdi as fórmulas os hieróglifos as poções
a chave dos segredos que guardava
as coisas que o sábio Fritz confiou a meus ossos
Confesso
Cada vez sou menos eu
E mais o que vivi.
Por isso é que me apuro
para não chegar tarde
ao que realmente fui
quando tudo acabar.


Consuelo Tomás Fitzgerald
(1957, Bocas del Toro, Panamá).


'De la propensión a la puntualidad'

No es que haya nacido en otra parte.
Mucho menos, que me preocupe el tiempo
en su belleza de abstracta redondez lunática.

Es que los minutos me muerden los talones
hormigas enfurecidas urgiéndome a hacer
a no detenerme en función de los finales.

Es muy cierto
la prisa es un agujero en la calma del insomne
una muralla en la planicie de los sueños
un abrevadero de ilusiones que a menudo fallan

No es que me avasalle el miedo a la tardanza
pero la magia se me acaba
he perdido las fórmulas los jeroglíficos las pócimas
la clave de los secretos que guardaba
las cosas que el sabio Fritz confió a mis huesos

Lo confieso
cada vez soy menos yo
y más lo que he vivido.

Por eso es que me apuro
para no llegarle tarde
a la que realmente he sido
cuando todo se acabe.

Consuelo Tomás

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

”Socrática”


Qual a hora mais esperada?
- A que precede o primeiro encontro.

Qual a luz mais cruel?
- A que vem depois do primeiro desengano.

Qual o verso mais belo?
- O que nos esclarece um enigma interior.

Qual o benfeitor mais alto?
- O que ao prestar um benefício
consegue que o favorecido
se julgue favorecedor.

Qual o caráter mais mesquinho?
- O que vos recorda os favores prestados.

Qual o maior sossego?
- O do homem
que já não espera nada dos homens.

Qual o bem mais apreciado?
- Aquele que, depois de esgotar a Esperança,
julgávamos já inacessível.

Qual a surpresa mais sublime?
- A daquele que encontra a Deus
dentro de si mesmo.


Amado Nervo
in Plenitude
(Tepic, Nayarit 27 de agosto de 1870-México
Montevidéu,Uruguay- 24 de maio de 1919)