A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

O espelho



Quem olha, quem imagina,
São duas metades uma
Por detrás da pele fina.
Só que a pele dos espelhos
Em matéria de retina,
Despida a pessoalidade,
Enxerga o que se lhe ensina.

José Jeremias

Aos meus filhos



Que vôo provisório as andorinhas ensaiam
nos telhados desta casa?

O inverno se aproxima com seus ventres falantes
E elas vão ensaiando as montanhas distantes.
Vão lembrando o futuro
Exercitando as asas.

Voltarão sempre cada vez mais longe.
Até que não encontrem esta casa branca
sinalizando o nevoeiro.


José Jeremias
*José Jeremias, professor de Metodologia das Ciências Sociais da USP, escreveu os livros Incompetência do só (seleção de Álvaro Moreyra); Cantigas do mágico entediado; Dedo mindinho; Maria (poema-livro) e Poemas (inédito).

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Fugaz



passagem por uma paisagem,
lugar do onde, do ontem, do quando,
quantas palavras ficaram faltando
na boca cheia de imagens.
o outro é aquele que ficou à margem,
no espanto de um pronome,
no corpo de uma brisa suave;
o outro é como uma fome
pluma à deriva, à distância, ou quase.

estranho em sua própria viagem,
garrafa com uma mensagem,
olhar durando numa flor,
sem nome, secreta, selvagem.

Desterro, água bebida num trem,
peça incompleta, festa adiada, vertigem,
a cabeça sempre em alguém,
eu outro, eu todos, ninguém.


Rodrigo Garcia Lopes
(Paraná- BR)

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Imagem


(Photo by Philippe Sainte-Laudy)


No firme azul do desdobrado céu
Decantarei a mínima magia
Das sensações mais puras, melodia
Da minha infância, onde era apenas Eu.

Da realidade nua desce um véu
Que, já sem mar, apenas maresia,
me vem tecer aquela chuva fria,
Que prende esta janela ao claro céu.

Despido o ouropel desvalioso,
Já não apenas servo, mas o Rei
Da luz da minha lâmpada nomeia.

Assim procuro o centro misterioso
Do mundo que hoje habito, onde serei
Concêntrica expressão da vida inteira.


Alberto de Lacerda
(Moçambique-1928-2007)

terça-feira, 28 de julho de 2009

EHMALS UND JETZT




In jüngern Tagen war ich des Morgens froh,
Des Abends weint ich; jetzt, da ich älter bin,
Beginn ich zweifelnd meinen Tag, doch
Heilig und heiter ist mir sein Ende.

Friedrich Holderlin
[1799]

OUTRORA E HOJE

Meu dia outrora principiava alegre;
No entanto à noite eu chorava.
Hoje, mais velho,
Nascem-me em dúvida os dias, mas
Findam sagrada, serenamente.

Friedrich Holderlin
Tradução de Manuel Bandeira

SONNENUNTERGANG



Wo bist du? trunken dämmert die Seele mir
Von aller deiner Wonne; denn eben ist's,
Daß ich gelauscht, wie, goldner Töne
Voll, der entzückende Sonnenjüngling

Sein Abendlied auf himmlischer Leier spielt';
Es tönten rings die Wälder und Hügel nach.
Doch fern ist er zu frommen Völkern,
Die ihn noch ehren, hinweggegangen.

Friedrich Hölderlin
[1800]

PÔR DO SOL

Onde estás? A alma anoitece-me bêbeda
De todas as tuas delícias; um momento
Escutei o sol, amorável adolescente,
Tirar da lira celeste as notas de ouro do seu
[ canto da noite.

Ecoavam ao redor os bosques e as colinas;
Ele no entanto já ia longe, levando a luz
A gentes mais devotas
Que o honram ainda.

Friedrich Hölderlin
Tradução Manuel Bandeira

Florecen los Almendros...



Florecen los almendros
en Mallorca
y no estás para verlos.
De mi balcón anoche
los vi fosforecer.
Te llamé por tu nombre,
conjuré tu fantasma,
te perfilé de pétalos caídos
y una ráfaga de aire
te rasgo.


Claribel Alegría
(Equador-1924)

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Antes a vida



Antes a vida que estes prismas sem espessura mesmo se as cores são mais
puras
Antes ela que esta hora sempre enevoada estas terríveis carruagens de
labaredas frias
Estas pedras sorvadas
Antes este coração engatilhado
Que este charco de murmúrios
Este pano branco a cantar ao mesmo tempo na terra e no ar
E esta benção nupcial que une o meu rosto ao da total fatuidade
Antes a vida

Antes a vida com os seus lençóis de esconjuro
As suas cicatrizes de fugas
Antes a vida antes esta rosácea no meu túmulo
A vida da presença só da presença
Onde uma voz diz Estás aí outra responda Estás aí
Eu pobre de mim não estou
E mesmo quando jogarmos ao que fazemos morrer
Antes a vida

Antes a vida antes a vida Infância venerável
A faixa que parte dum faquir
Parece o escorregadouro do mundo
Não importa que o sol não passe de um destroço
Por pouco que o corpo da mulher se lhe compare
Pensas tu ao contemplar a extensão da trajetória
Ou tão-só ao fechar os olhos sobre a tormenta adorável que se chama a tua
mão
Antes a vida

Antes a vida com as suas salas de espera
mesmo sabendo não ir entrar nunca
Antes a vida que estas estâncias termais
Onde o serviço é feito por coleiras
Antes a vida adversa e longa
Quando aqui os livros se fecharem sobre estantes menos suaves
E lá longe fizer mais que melhor fizer livre sim
Antes a vida

Antes a vida como fundo de desdém
A esta cabeça já de si tão bela
Como antídoto da perfeição aspirada e temida
A vida a maquilagem de Deus
A vida como um passaporte virgem
Ou uma vitória como Pont-à-Mousson
E como tudo foi dito já
Antes a vida


Andre Breton
tradução: Ernesto Sampaio
(1896-1966) França

domingo, 26 de julho de 2009

TARDE


(Photography by Philippe Sainte-Laudy)


A febre da tarde
Se chama tarde,
Velho sono arrancado,
Cedo demais para ser noite,
Sem outro nome, pois não há nome
De tarde além da tarde.

o amor tenta falar mas soa
Tão perto em seu próprio ouvido.
Os tic-tacs escutam
O que os tic-tacs retrucam.
A febre preenche onde gargantas se mostram,
Mas nesses horrores nada tenta engolir
Enquanto a sede persegue a tarde
Até o rouco pôr-da-sol.

O entardecer surge com bocas
Quando a tarde pode falar.
A ceia e a cama começam e terminam
E o amor obscurece o pensar.
Mais tardes dividem a noite,
Novo sono arrancado,
Suspensão desperta entre sonho e sonho ­
Nunca soubemos quanto.
O sol se atrasa por horas de logo e logo ­
Então chega a febre veloz chamada dia.
Mas a febre lenta se chama tarde.


Laura Riding
tradução: Rodrigo Garcia Lopes
(1901-1991)EUA

sexta-feira, 24 de julho de 2009

MELANCOLIA



Um vento só seca suas lágrimas frias
nas janelas. Chove.
Tristezas vagas me assolam, porém toda
a dor,
que sinto, não sinto, em mim,
no coração,
no peito,
mas sim nas gotas de chuva que escorrem.
E enxertado com minha vida o mundo imenso
com seu outono e sua noite
dói em mim como uma chaga.
Para os montes passam nuvens com úberes
cheios.
E chove.


Lucian Blaga
in: Poemele Luminii (Os Poemas da Luz), 1919

Sono



Noite inteira. Bailam estelas na relva.
Retiram-se no bosque e nas grutas as sendas,
o capricórnio se cala.
Mochos pardos se pousam como urnas nos abetos.
Na obscuridade sem testemunhas
tranqüilizam-se as aves, o sangue, o país
e as aventuras nas quais sempre se recai.

Nas brisas permanece uma alma
sem hoje,
sem ontem.
Com surdos rumores entre as árvores
erguem-se séculos ardentes.
Em sono o meu sangue, igual a uma onda,
regressa de mim
para trás, em meus pais.


Lucian Blaga
(tradus de Micaela Ghitescu, editia "Mirabila samanta", ed. Minerva, Bucuresti, 1981)

NA GRANDE TRAVESSIA



O sol no zênite sustém a balança do dia.
O céu se concede às águas embaixo.
Com olhos ajuizados as bestas na travessia
Observam sem medo suas sombras no leito.
A folhagem se arca profundamente
na direção de toda uma lenda. Nada, do que é, tenta ser diferente.
Somente meu sangue grita pelos campos
atrás de sua infância longínqua,
como um velho cervo
atrás de sua corça perdida na morte.Talvez tenha perecido sob os rochedos.
Talvez tenha mergulhado na terra.
Em vão espero notícias suas,
somente ressoam as cavernas,
riachos buscam as profundezas.Sangue sem resposta,
ah, houvesse silêncio, quão bem se ouviria
a corça calcando a morte.Ainda mais longe cambaleio pela trilha —
e, como um assassino que sela com um lenço
uma boca vencida,
fecho com o punho todas as fontes.
Que se calem para sempre
para sempre.


Lucian Blaga
in A grande Travessia
Tradução Caetano Waldrigues Galindo
(Romênia)

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A vida sem palavras



Entre riso e sangue,
cabeça e espada,
entrada e saída,
flor e escarro,
sempre a vida,
a vida sem mais nada,
entre estrela e barro.

Entre homens e bichos,
entre rua e escadas,
entre grito e nojo,
a vida com seus lixos
e mãos violadas,
entre mar e tojo.

Entre uivo e poema,
entre trégua e luta,
vida no cinema,
no café, na cama,
vida absoluta.


António Rebordão Navarro
A Vida sem Palavras
Poemas (1952 - 1982)
(Portugal)

terça-feira, 21 de julho de 2009

Preciso



Preciso que um barco atravesse o mar
lá longe
para sair dessa cadeira
para esquecer esse computador
e ter olhos de sal
boca de peixe
e o vento frio batendo nas escamas.

Preciso que uma proa atravesse a carne
cá dentro
para andar sobre as águas
deitar nas ilhas e
olhar de longe esse prédio
essa sala
essa mulher sentada diante do computador
que bebe a branca luz eletrônica
e pensa no mar.


Marina Colasanti

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Sobre a amizade




“Cada novo amigo que ganhamos no decorrer da vida aperfeiçoa-nos e enriquece-nos, não tanto pelo que nos dá, mas pelo que nos revela de nós mesmos.”

Miguel de Unamuno
(Espanha)

domingo, 19 de julho de 2009

'Os Sonhos'



Os sonhos são
a mais profunda aspiração.
Privados,
intrínsecos,
únicos ou comuns,
positivos ou negativos,
e, até, partilhados,
os sonhos
são momentos
que permitem voar,
pois conseguem libertar
os mais ansiados pensamentos.

Os sonhos só são sonhos
enquanto os deixarmos ser.

Está ao nosso alcance fazer
com que passem a ser
o que, por eles, desejamos ter.

Os sonhos só serão sonhos
se assim os quisermos manter.


Vicente Ferreira da Silva
in Letras, Palavras e Linhas: gestos pela diferença
(Portugal)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

a semântica das rosas



o signo rosa significa a rosa
a rosa em si mora no mundo
e é no fundo a flor da metaflora
que só floresce nos jardins suspensos
de Platão
(assim, se não se sabe se uma pena
é uma pena ou é uma pena
também nunca se sabe se uma rosa
é uma rosa ou é somente a insígnia
o enigma ou a senha ou a metáfora
significando alguma outra rosa)

em suma, cada signo é uma ponte
entre a palavra, seu império
e cada rosa sempre indecifrada
em seu mistério


Geraldo Carneiro
in Lira dos Cinqüent'anos

quinta-feira, 16 de julho de 2009

TRISTEZA DA RUA


(Paint by Gustave Caillebotte)

A tristeza da rua
vem dos que vêm e que vão.
Dos que não querem chegar aonde vão
e vão andando.
Dos que não têm aonde ir
e vão andando.
Dos que não têm pra onde voltar
e vão voltando.
Dos que voltam sem trazer
o que foram buscar.


Geraldino Brasil
(1926-1996- Alagoas BR)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

POEMA DE LAS COSAS



Quizás estando sola, de noche, en tu aposento
oirás que alguien te llama sin que tú sepas quién,
y aprenderás entonces, que hay cosas como el viento
que existen ciertamente, pero que no se ven...

Y también es posible que una tarde de hastío
como florece un surco, te renazca un afán,
y aprenderás entonces que hay cosas como el río
que se están yendo siempre, pero que no se van...

O al cruzar una calle, tu corazón risueño
recordará una pena que no tuviste ayer
y aprenderás entonces que hay cosas como el sueño,
cosas que nunca han sido, pero que pueden ser...

Por más que tú prefieras ignorar estas cosas
sabrás por qué suspiras oyendo una canción
y aprenderás entonces que hay cosas como rosas,
cosas que son hermosas, sin saber que lo son...

Y una tarde cualquiera, sentirás que te has ido
y un soplo de ceniza regará tu jardín,
y aprenderás entonces, que el tiempo y el olvido
son las únicas cosas que nunca tienen fin.


José Ángel Buesa
(1910-1992- Cuba)

terça-feira, 14 de julho de 2009

DE PROFUNDIS




Mais um ano, um dia, um instante —
e as vias que via adiante
Somem, de sob meu passo errante.
Mais um ano, um sonho, outro sono —
e sob a terra serei dono
dos ossos que dormem em torno.

Lucian Blaga
in:Poezii (Poemas), 1962

NATUREZA MISTERIOSA


(Photo by Fernando Campanella)


Essa voz interior, que sempre ouvimos,
Ainda dizer não pode o que nós somos:
Tudo o que em vão pensamos e sentimos
É a antítese talvez do que supomos.

No seio panteísta de onde vimos,
Árvores – mães de flores e de pomos,
Arbustos e ervaçais, musgos e limos,
Tem o mesmo poder do que dispomos.

Não logramos saber quanto sabemos:
Névoas volúveis, ilusórios fumos,
São as idéias que de tudo temos.

Vindos da mesma essência, do mesmo húmus,
Vivemos de contrastes e de extremos
Sem ter destino, por incertos rumos ...


Da Costa e Silva
in Poesias Completas

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A PEGADA PERDIDA



A pegada perdida, o rastro ausente,
a chama estremecida, o lume à frente,
o caminho envolvido na neblina,
o cavalo vendado em sua crina.

Destinos a volver e resolver,
como traços na selva, troças brutas
impostas como pistas a rastrear.

Das janelas, os olhos pendem, longos,
no fundo perquirir, dias e noites
perdidos nesta selva de procelas.

Ah, que amargas Penélopes, aquelas
que aguardaram sagazes navegantes.

E tudo era tão ido, era tão antes,
que as mãos, já ressecadas e amarelas,
não mais podem colher o fruto sido.

O sido. Quero vê-lo do meu lado,
como um cachorro fiel e bem nutrido.


Reynaldo Valinho Alvarez
A Faca Pelo Fio
Poemas Reunidos

PÓRTICO



Da janela, na chuva, alguém procura
achar sua alma irmã na noite escura.
Na tuba enferrujada, desafina
o músico esquecido numa esquina.
O incêndio esconde o palco todo em fumo
e o mágico, aturdido, perde o rumo.
Entre gavião e pombo, uma vidraça
frustra o golpe mortal e se estilhaça.
As ondas que se quebram contra o dique
refluem sobre si e vão a pique.
Se a parábola volta, é que, na certa,
não a colheu a mente astuta e alerta.
A carta, na garrafa que se alaga,
o mar a lê, a leva, lava e apaga.

O canto do poeta é coisa vã
se o sol canta por si, toda manhã.


Reynaldo Valinho Alvarez
in A Faca Pelo Fio
Poemas Reunidos
(1931-Rio de Janeiro)

sábado, 11 de julho de 2009

Voz da Noite



O sol se apaga.
De mansinho,
a sombra cresce.
A voz da noite
diz, baixinho:
esquece ... esquece ...


Helena Kolody
in ‘Sinfonia da Vida’

PRISMA



Simples cristal sensitivo
que um fio de luz apunhala,
sangro um íris de palavras.

Não tenho a réstia de sol
nem me pertence o arco-íris.
Tudo é dádiva e favor.


Helena Kolody
in ‘Luz Infinita’

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Retrato


(Photo by Fernando Campanella)

Fenecer como as parras
e as flores
fender o riso de encobertos
intraduzíveis amores -

o coração entre o lume brando
e a usura
ralentando
'pero sin perder la ternura'.

Fernando Campanella


RETRATO

Fenecer como las parras
y las flores
hender la risa de encubiertos
intraducibles amores -
el corazón entre el lumbre blando
y la usura
arralando
'pero sin perder la ternura'.

Fernando Campanella

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Mar alto



Que hei de fazer, se não me encontro,
se há tanto tempo estou perdido?
É o mar, meu pai: é o mar! E o mar está crescendo.
O mar é fundo, o mar é frio.


Meu pai, que silêncio,
que grave silêncio!
Por que não sorris?


Meu pai, estou perdido:
há tantos caminhos
no fundo do mar.
Como hei de votar?


Emílio Moura

sábado, 4 de julho de 2009

'SOFISMAS'



Às vezes
eu sou chuva
e escorro pelas valas
da desilusão.

Às vezes
sou vento
e percorro alamedas
inutilmente.

Por que sou chuva?
Por que sou vento?
Por que reclamo poemas?
cânticos tão verdes?
se já sou inverno
a entoar hinos de hosana
entre folhas secas
pisadas
machucadas demais
para inventarmos outra igual.


Alvina Nunes Tzovenos
Palavras ao Tempo

VOZES



Grita o vento nos muros da noite
como reflexos de espelhos partidos.


Há um ruído de coisas magoadas
lembrando madrugadas enfermas.


O vento e o ruído acelerando cadencias
são como garças
em tardes eróticas.


Só as luzes se repetem.
Só os sons se beijam
em baladas insanas.


Há pegadas escondidas
entre alamedas tranqüilas
enquanto
o tédio, a busca e a lassidão
ainda se aninham.



Alvina Nunes Tzovenos
In: Palavras ao Tempo
Rio Grande do Sul- 1.929

quinta-feira, 2 de julho de 2009

O REPENTE



Preciso de repente, como quem abre
a festa de um relâmpago.
Ah, céu anoitecido onde vivo,
que importa o desalinho
se a febre é o meu sistema?
Descerrem-se portas, retinam
momentos de fuga e de cristal:
galos de luz, trevas feridas,
missas proibidas, primaveras!

Tudo serve à fome que me impele.


Lúcio Cardoso
em Poemas Inéditos

MORANGOS SELVAGENS


(Fragaria vesca- Morangos silvestres, morangos selvagens)

Era há muito tempo. Eu apenas sabia
que em mim havia acabado esse dom
de inventar a amizade
e sentava-me tão triste, olhando
essa estrada que não tem começo nem fim
e passa por entre nós
sugerindo carência e fragilidade.
Era há muito tempo. Mas não havia
estrada, nem havia distância e nem voz.
Achei-me de repente sem dom algum.
Foi quando as frutas cresceram nos seus galhos
e eu descobri essas ácidas pitangas
que, através do seu vermelho,
ensinaram-me de novo a continuar,
indiferente e sozinho.
Fora, o mundo me arrebatava o poder
de crucificado - no entanto,
sem dom, alguma coisa em mim
resplandecia.
Assim eu ia, mas há muito tempo.

Lúcio Cardoso
em Poemas Inéditos
(28 out 1961)