A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Chuva de Cinzas



Chuva de cinzas...Cai a tarde lá por fora
na estática mudez da Terra triste e viúva;
e, da tarde ao cair, sinto, minha alma, agora,
embuça-se na cisma e no torpor se enluva.

Hora crepuscular, hora de névoas, hora
em que de bem ignoto o humano ser enviúva;
e, enquanto em cinza todo o espaço se colora,
o tédio, em nós, é como uma cinérea chuva.

Hora crepuscular - concepção e agonia,
hora em que tudo sente uma incerteza imensa,
sem saber se desponta ou se fenece o dia;

hora em que a alma, a pensar na inconstância da sorte,
fica dentro de nós oscilando, suspensa
entre o ser e o não ser, entre a existência e a morte.

Gilka Machado
in Velha Poesia

segunda-feira, 29 de junho de 2009

A lua canta ao rio



Sou única no firmamento
e múltipla dentro do abismo.
Do fundo rio me contempla
a minha imagem refletida.

Sou a verdade no firmamento,
sou o imaginário no abismo,
Do fundo do rio me contempla
a minha imagem, no seu enganoso destino.


Lá no alto estou rodeada de silencio;
no abismo sussurro e canto.
No firmamento sou um deus,
no rio sou uma oração.

Lea Goldberg
in Poesia de Israel
Tradução: Cecília Meireles

SEPARAÇÃO



Um dia, estando entre nós dois o Atlântico,
senti a tua mão na minha;
Agora, tendo a tua mão na minha,
sinto entre nós dois o Atlântico.


Israel Zangwill
(1864 – 1929)
in Poesia de Israel
Tradução: Cecília Meireles

SUTIL INTENÇÃO



Há que haver amor em cada gesto
Para que as almas se completem,
Para que as angústias se aquietem
Na mudez do amor mais inquieto.

Há que haver prazer no que se faça
Para que a vontade se enterneça
E a solidão desapareça
Na sutil presença que abraça.

Há que haver lirismo na poesia
Para que, no cerne da emoção,
Haja mais vontade que paixão,
Haja mais paixão que hipocrisia.

Há que haver palavra na mudez
Porque assim a dor evidencia
Que todo silêncio que se cria
Flui da mais sublime embriaguez.

Há que haver, na pétala da flor,
A essência leve e colorida
Que possa fazer da própria vida
A intenção sutil de todo amor.

Luiz Gilberto de Barros

domingo, 28 de junho de 2009

CONCERTO DE PASSOS



Ouço passos
na calçada da ilusão
orquestra de um sonho.

Nuvens quentes
em concerto
brincam de Mozart, Chopin.

Em passos de concerto
o céu tornou-se cenário
palco festivo
de estrelas dançarinas
namorando a lua.

Solene e grave
a orquestra
veste-se de noite.

Há concertos de passos
passos de um concerto
a brincar de sonhos
-ela é nossa emoção.


Alvina Nunes Tzovenos
In: Palavras ao Tempo

sábado, 27 de junho de 2009

Da poesia



11.

Sim, a poesia é a verdade mágica.
É o sonho a emplumar as tardes do real.
Ou alguma coisa que chega-nos, pelágica,
ou uma palavra eterna e pastoral.
A lógica poética é a beleza
a nascer do esplendor do ser em sagração
ou ao grito terrível da tristeza.
E tudo a voar, nas almas, é canção.


Artur Eduardo Benevides
(do livro Noturnos de Mucuripe & Poemas de Êxtase e Abismo,
(1992)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

ROSA SECA



Caiu de um livro no meu regaço
uma dessas velhas
relíquias de um sonho de juventude:
uma rosa seca.

E eu perguntei ao livro de onde vinha
aquela flor.
O livro calou-se: não chegou ao meu ouvido
nem palavra nem som.

Então meus olhos descobriram uma página
onde havia uma nódoa.
Há muito tempo, muito tempo alguém tinha chorado.
Oh, quando e onde?

Beijei a rosa murcha, a rosa seca
e a lágrima também.
Há muito tempo alguém tinha amado:
Oh, quem? e a quem?


Salomon Blaumgarten
(1870 – 1927)
in 'Poesia de Israel'
Tradução: Cecília Meireles

quarta-feira, 24 de junho de 2009

SONETO DE INDAGAÇÃO



Será tarde, Senhora, será tarde?
A vida, igual ao dia, encontra ocaso.
Termina, pouco a pouco, o nosso prazo
E o frio olhar da morte já nos carde.


Que tua luz me salve ou me resguarde.
Tuas chamas me queimam. Já me abraso.
Estamos bem além de um simples caso.
A alma, outrora errante, em ânsias arde.

Tenho estranho fulgor de adolescência,
Mas, ao notar que tudo pede urgência,
Sinto que amar me traz um certo alarde.

E ao ver o tempo inexorável, lento,
Escravo de teu grande encantamento
Aflito te pergunto – será tarde?



Artur Eduardo Benevides
In: Elegia Setentã e Outros Poemas de Entardecer


Com a inquietação de toda a vida que se aproxima
Desce também sobre mim o destino implacável como a noite
Colhendo tudo de surpresa, chegando de cima.
O vento joga no meu rosto as sombras das vozes passadas,
Os ruídos eternos, o eco dos inextinguíveis silêncios
Nascidos das confissões estancadas.
Vazios e inúteis como as vigílias sem cansaço
São meus pedidos de auxilio para uma germinação estranha de ímpetos
Que correm para mim, semeados no espaço.
Meus sentidos se prolongam na agonia da tarde
Procurando encontrar na treva da noite
O fim misterioso e sem alarde.
Minha existência é o ultimo pensamento no estertor do suicida
Que abraça a morte
Esperançoso de vida.


Adalgisa Nery
In: Mundos Oscilantes

sábado, 20 de junho de 2009

METAMORFOSES



sou o que sou:
o silêncio após o mas
e o ou

fui o que fui:
um ruído entre
o constrói e o rui.

fosse o que fosse:
a ponte (que pena!)
quebrou-se

ser o que seria:
já crepúsculo mal
começa o dia?

José Paulo Paes

quarta-feira, 17 de junho de 2009

ELEGIA DE MAIO


Longo, lento, infindável o crepúsculo.
Na larga enseada uma tinta imprecisa
antes do lusco-fusco
insinua-se em tudo, esmaiada.
Corre um brusco arrepio de brisa,
encrespa-se de leve a água vidrada.

Difuso em tudo, o ouro da luz de outono
resiste, como a clara
recordação de um longo dia pára
e ainda hesita, antes da noite e o sono.

Escurecer que é quase amanhecer...
Um não sei quê de claridade escura
diluído em tudo, em tudo arde e perdura:
já é quase noite o longo dia
e a noite espera e sonha: ainda é dia.

Lá no alto, o adeus da tarde que ficou...
É dia ainda, o sol acorda agora
no largo oceano o sono de outra aurora,
mas derrama no seio do meu rio
todo o ouro do dia que passou.
Serena esta luz de ouro em meu outono:
recordação, antes do grande sono...


Augusto Meyer
in Poesias, 1957
(Rio Grande do Sul)

terça-feira, 16 de junho de 2009

POETA



Deixa cair todo este orvalho puro
sobre os teus ombros doloridos.

Vê como é suave a terra:
mesmo nos galhos mais bruscos,
olha: há carícias amigas.

Tudo é mais coração, porque és mais coração.

Orvalho... Orvalho... Parece
que em tua vida alguma cousa amadurece.

Deixa cair, deixa rolar teu poema
como um fruto maduro, pelo chão.


Augusto Meyer
in Coração Verde

domingo, 14 de junho de 2009

Soneto X


Aconteceu-me do alto do infinito
Esta vida. Através de nevoeiros,
Do meu próprio ermo ser fumos primeiros,
Vim ganhando, e através estranhos ritos

De sombra e luz ocasional, e gritos
Vagos ao longe, e assomos passageiros
De saudade incógnita, luzeiros
De divino, este ser fosco e proscrito…

Caiu chuva em passados que fui eu.
Houve planícies de céu baixo e neve
Nalguma coisa de alma do que é meu.

Narrei-me à sombra e não me achei sentido
Hoje sei-me o deserto onde Deus teve
Outrora a sua capital de olvido…

Centauro, n°l, Out-Dez. 1916.


Fernando Pessoa
in: Poemas Ocultistas

sexta-feira, 12 de junho de 2009

INTERDICTA

(Clovers and lilacs white, Photomontage of Regina Helena)


(Anima interdicta
in saecula seculorum)

I felt you come blind-folded
into the flanks of my night
bringing me a handful of buds:
roses, clovers and lilacs white.

But, o, poetry,
let’s seal it a secret -
all my captive birds fly
by your passing I saw

though men shall not be granted
the solace of flowers
in our unscripted stone-aged law.


Fernando Campanella

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terça-feira, 9 de junho de 2009

DESCOBERTA



Só depois percebemos
o mais azul do azul,
olhando, ao fim da tarde,
as cinzas do céu extinto.

Só depois é que amamos
a quem tanto amávamos;
e o braço se estende, e a mão
aperta dedos de ar.

Só depois aprendemos
a trilhar o labirinto,
mas como acordar os passos
nos pés há muito dormidos?

Só depois é que sabemos
lidar com o que lidávamos.
E meditamos sobe esta
inútil descoberta

enquanto, lentamente,
da cumeeira carcomida
desce uma poeira fina
e nos sufoca.

Ruy Espinheira Filho

CANTO DA LUZ NO POENTE



De cinza e de aura as nuvens param
No limite da tarde que se desfaz;
E da própria luz da tarde que anoitece
Que o escuro se realiza e se refaz.

Com o olhar profundo ausculto a noite
Quando há mistura entre cinza e aura;
- E do sol, muito longe, não se sabe
Por onde vai. A natureza canta em coro.

Joaquim Cardozo
In: Um Livro Aceso e Nove Canções Sombrias

'REVELAÇÃO'



Só o passado que
aguarda no futuro
revelará a limpidez
maior desta tarde.

Ai que somos felizes
agora
mas não tanto
como amanhã, no passado.

Ruy Espinheira Filho

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Tear



Num reino de bruma, entre os ramos
de árvores quase secas e breves trilhos,
o ar libertava uma vaga espuma,
e a luz soltava líquidos brilhos.

Numa clareira, sombras de saudade
caíam sobre arbustos rasos, e um canto
de campo enchia de sede os vasos
que o tempo partiu num dobrar da idade.

Colhi antigas papoilas, e colei-as
no álbum do horizonte, com o cuspo
do poente, enquanto uma voz distante
rezava o fim de uma oração doente.

E na água parada da lagoa, com os
braços soltos como remos sem uso,
uma parca branca vogava, à toa,
tecendo o destino na linha do seu fuso.


Nuno Júdice
Postado no blog do autor na véspera seu aniversário,
28/04/2008

quinta-feira, 4 de junho de 2009

A ORQUESTRA INVISÍVEL


John Singer Sargent

Num liso papel assim tão próximo
Com a mão percorro a escuridão.
Vou tateando levemente os seus contrastes
Vou descobrindo formas e objetos,
Ou medindo os elementos escondidos
Na ordem sem sentido e tenebrosa.

A escuridão se quebra em teclas negras
Que se encadeiam, que se dispersam. . .
Surgem teclados de instrumentos raros
Cujo som perfeito não se sabe bem.

É um som apenas? É um canto claro?
De uma sinfonia ou de uma sonata?
Noturno de Chopin em sol maior?

Do outro lado há tímbales, tambores,
O branco aparece puro e consagrado,
Na sua alvura imaculada;
Há longos fagotes, há clarinetes,
Há flautas e oboés: escondidos
No escuro cantam violinos, violoncelos;
E a luz branca brilha eternamente
Nessa orquestra invisível e nihilsonora.

O som, o cântico, a música da esquecida orquestra
Estão no fim, estão no branco-luz constante e claro.

Joaquim Cardozo
in: Poesia Completa

Vida... Vida de Mim se Despedindo



Existe um EU dentro de mim
que não me pertence
não é meu.
Mas pode estar em mim;
Do outro lado de mim.
Lado que comigo não tem contato.
Um EU antagônico para o meu ser de agora
Agora e agônico.

O que faço está mais além desfeito:
É um fazer contrafeito que morre
E renasce, depois, no meu peito.

Nada me vem contra o que está dentro de mim vizinho
O que me vem é contra o que de eterno em mim me oprime

- Aquilo que está no que era de outra vez;
E que esteve noutro sentido e ainda perdura e se antepõe
E que me destrói, me impõe, me presume e suprime.

Todos os meus atos são atos reflexos
No projetivo espelho tempo/espaço, no fechado não denso.
Correspondência injetiva, deprimente, fria, de interno entorno.


Ouço a voz paralela a minha voz,
Ouço o canto que é um eco do que, outrora, foi meu.
em conflito com o que poderia ser silêncio
se este pudesse fluir lentamente como o tempo
e ser, se pudesse, confundidamente tempo-silêncio

No que aqui é doce, no paralelo é amargo
No que aqui é macio, no paralelo é áspero
Mundo paralelo!

Nele é que vou me apagar, me sumir, me perder,
Me esconder, para sempre, no esquecer.
Noitemente amanhecer.

Joaquim Cardozo
in: Poesias Completas

terça-feira, 2 de junho de 2009

Dos caminhos e descaminhos da solidão (VIII)



Triste é o nosso sorrir.
Às vezes, chegar é o mesmo que partir.
Somos uma longa viagem
em que vamos perdendo rumo e paisagem.
E no silêncio final dos caminhos
estaremos sozinhos.
Por isso, em minha alma indormida
o sonho é como o apito de despedida
de um navio tragado em rodopio.

Artur Eduardo Benevides

Dos caminhos e descaminhos da solidão (VI)



Alma sozinha e perdida,
a solidão corre a toda a brida
para nada.
Mesmo assim, nasce a madrugada
sobre as casas vazias
e as penedias.
E tudo, em nós, verão ou primavera,
é uma vasta espera.


Artur Eduardo Benevides

"POESIA DA PRESENÇA INVISÍVEL"



Através do quadro iluminado da janela
Olho as grandes nuvens que chegaram do Oriente
E me lembro dos homens que seriam meus amigos
Se eu tivesse nascido em Cingapura.

E aqueles que estiveram comigo nas horas concluídas
Ainda impressionam o ar
— Todos eles perderam-se no mar.

Agora, na praia deserta estou sozinho
— Caminho com os pés descalços na areia.
Nesta tarde morta o perfume das almas
Invade as enseadas, estende-se sobre os rios, paira sobre as colinas
— A Natureza assume a precária presença de um sonho;
Um trem corre sereno na planície dos homens ausentes;
Do fundo de minha memória sobe um canto de guitarras confusas;
Sinto correr de minha boca um rio de sombra,
A sombra contínua e suave da Noite.


Joaquim Cardozo
(Pernambuco)

A tarde sobe



Ao rés da Terra o tempo é escuro
Mas a tarde sobe, se ergue no ar tranqüilo e doce
A tarde sobe!
No alto se ilumina, se esclarece.
E paira na região iluminada.

Sobe, desfaz a trama de entrelaços
Superpostos na maneira dos esquadros
Sobre o chão aos poucos escurecendo.
Sobe: No meio da parte densa.

Sobe alva, serena para as estrelas
Que irão em breve aparecer,
Luzindo, no princípio da noite;
No espaço branco em que se completa
Preenchendo o centro e a esquerda
Branco que saiu limpo
De um fundo escuro de hachuras.

A tarde sobe!
Sobe até o zênite dando aos que passam
A paz e a serenidade do entardecer.

A tarde sobe pura e macia!
As linhas de baixo se inclinam
Se afastam e vão deixá-la subir.


Joaquim Cardozo

Espumas do Mar


(Tela By Gary Benfield)



Cavalos ligeiros
De eriçadas crinas
Por que sobre as ondas
Passais sem parar?
Vencendo procelas,
Ressacas em flor,
Num fulgor de estrelas
A poeira das águas
Fazeis levantar.

Espumas do mar.

Nas serenas curvas
Da carne marinha
Há sopros, há fugas
De véus a ondular;
Vestidos de rendas...
Vestidos, mortalhas
De noivas morenas
Que em noites de lua
Virão se afogar.

Virão se afogar.

Se há fomes noturnas
Mordendo e chorando,
Lívidas, remotas
Fúrias soltas no ar,
Que os lábios do vento
Se abrindo devorem
A flor de farinha
Que as vagas maiores
Irão derramar.

Espumas do mar.

Nesse fogo verde
De cinza tão branca
Que se apure um mel

De brilho sem par;
Turbinas, moendas
No giro girando
E o açúcar nascendo
Na folha das ondas
Constante a rolar.

Constante a rolar.

Sobre os seios mansos
Das baías claras
Em puro abandono
Não hei de ficar;
Saudades das ilhas,
Amor dos navios,
Segredo das águas
Nas barras dos rios
Irei desvendar.

Espumas do mar.

Em mares incertos
Irei navegar;
E direi louvores
Às velas latinas
Por bem velejar;
Louvores direi
Aos lírios de sal
E às vozes dos búzios
Que sabem cantar.

Que sabem cantar.

Teu rosto esqueci,
Teus olhos? Não sei...
Da face marcada
O espelho quebrei
De muito sonhar;
Nos laços retidos
Das águas profundas
Tesouros perdidos
Quem há de encontrar?
Espumas do mar.


Joaquim Cardozo
(Pernambuco-1897-1978)