A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

domingo, 30 de novembro de 2008

"And this I dreamt, and this I dream"



And this I dreamt, and this I dream,
And some time this I will dream again,
And all will be repeated, all be re-embodied,
You will dream everything I have seen in dream.
To one side from ourselves, to one side from the world
Wave follows wave to break on the shore,
On each wave is a star, a person, a bird,
Dreams, reality, death - on wave after wave.
No need for a date: I was, I am, and I will be,
Life is a wonder of wonders, and to wonder
I dedicate myself, on my knees, like an orphan,
Alone - among mirrors - fenced in by reflections:
Cities and seas, iridescent, intensified.
A mother in tears takes a child on her lap.


Arseni Tarkovski
(Arseny Alexandrovich Tarkovsky-(1.907-1.989)


Se houvesse o eterno instante e a ave
ficasse em cada bater d’asas para sempre,
se cada som de flauta, sussurro de samambaia,
mover, sopro e sombra das menores cousas
não fossem a intuição da morte,
salsa que se parte... Os grilos devorados
não fossem, no riso da relva, a mesma certeza
de que é leve a nossa carne e triste a nossa vida
corporal, faríamos do sonho e do amor
não apenas esta renda serena de espera,
mas um sol sobre dunas e limpo mar, imóvel,
alto, completo, eterno,
e não o pranto humano.


Alberto da Costa e Silva


O incêndio do sol-pôr exala um fumo roxo
Que ás cousas vela a face...
A macerada flor da solidão renasce;
O seu perfume é fria e branda mágoa,
Bruma que já foi água...
Todo sombra e luar esvoaça o mocho;
Uma nuvem enorme, ao longe, no poente
Desvenda o coração que se deslumbra
E abrasa intimamente...
O silencio a crescer, é onda que se espalha...
Sente-se vir o outono; é já noitinha, orvalha...
Nos ermos pinheirais gemem as _noitibós_
E vultos de mulher, sumidos na penumbra,
Passam cantando, além, com lagrimas na voz...


Teixeira de Pascoaes
in "Elegia da solidão"-1.920-

sexta-feira, 28 de novembro de 2008



Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior.

(Bernardo Soares)
(Heterônimo de Fernando Pessoa)

'Elegia'



Nem os
dias longos me separam da tua imagem.
Abro-a no espelho de um céu monótono, ou
deixo que a tarde a prolongue no tédio dos
horizontes. O perfil cinzento da montanha,
para norte, e a linha azul do mar, a sul,
dão-lhe a moldura cujo centro se esvazia
quando, ao dizer o teu nome, a realidade do
som apaga a ilusão de um rosto. Então, desejo
o silêncio para que dele possas renascer,
sombra, e dessa presença possa abstrair a
tua memória.


Nuno Júdice

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

'Crepúsculo'



I

Frívolos madrigales de las sutiles rosas
ritman en los jardines las musas de belleza
y comulga en los ritos del alma de las cosas
como una ofrenda triste mi llanto: voz que reza.
En las gamas exóticas de la tarde doliente
finge la luz un iris -raro florecimiento
crepuscular-. Y pasa rozándome la frente
el murciélago sombra en las alas del viento...
La sombra ya penumbra la arena de las sendas,
perfúmanse de rosas los líricos jardines
y reinan en las pantas fabulosas leyendas.
Los nocturnos de seda de ignorados violines.
¡Crepúsculo de ensueño y evocación de amadas!...
La tarde con mi espíritu la comunión empieza
y al final, como epílogo de oraciones rezadas,
dominará en mí la sombra, la noche, la tristeza

Noche:

II

Como una enorme sierpe sus escamas de plata
desenrosca la noche; como raras pupilas
de luz, en los azules, su estelación desata
el infinito... El viento va girando las lilas
¡El recuerdo una amada que se fue...!
Y en la fría
nostalgia -voz de tumba- un suspiro que se arranca
en las alas sutiles de la melancolía
que empuja los lirismos de una tristeza blanca...
¡El recuerdo: unos labios mortales...! se deshoja,
perfumando de rosas, un rosal florecido...
¡Unos labios mortales y una rosa muy roja
pusieron en mi carne besos de amor y olvido...!

III

Despiertan los aromas nocturnos... (Los enanos
juegan con princesitas en sus reinos)...(Las rondas
de sátiros y ninfas tomadas de las manos
fraternizan -mintiendo- en las sagradas frondas)

IV

La luna mis ensueños, romántica, ilumina.
Las rosas a la luna protestan sus querellas,
y un paisaje interior se disfumina
en florecimiento de mágica estrella.

José Domingo Gómez Rojas
12-III-1914

José Domingo Gómez Rojas (n. Santiago el 19 de junio de 1896 – † 29 de septiembre de 1920) fue un poeta chileno, fue apresado después del asalto a la Federación de Estudiantes el 21 de julio, en el marco del "Proceso a los subversivos" que perseguía a obreros y estudiantes ácratas. En la cárcel fue sometido a torturas y hostigamientos constantes. Detenido en la penitenciaría de esa ciudad, fue transferido a la Casa de Orates, donde, luego de una meningitis no diagnosticada a tiempo, enloqueció y falleció el 29 de septiembre de 1920. A su funeral asistieron más de 40.000 personas, demostrando la enorme crisis social, política económica y cultural a que la oligarquía dominante tenía sometido al país.

'CREPÚSCULO'



En la tarde, en las horas del divino
crepúsculo sereno,
se pueblan de tinieblas los espacios
y las almas de sueños.

Sobre un fondo de tonos nacarados
la silueta del templo
las altas tapias del jardín antiguo
y los árboles negros,
cuyas ramas semejan un encaje
movidas por el viento
se destacan oscuras, melancólicas
como un extraño espectro!

En estas horas de solemne calma
vagan los pensamientos
y buscan a la sombra de lo ignoto
la quietud y el silencio.
Se recuerdan las caras adoradas
de los queridos muertos
que duermen para siempre en el sepulcro
y hace tanto no vemos.

Bajan sobre las cosas de la vida
las sombras de lo eterno
y las almas emprenden su viaje
al país del recuerdo.
También vamos cruzando lentamente
de la vida el desierto
también en el sepulcro helada sima
más tarde dormiremos.

Que en la tarde, en las horas del divino
crepúsculo sereno
se pueblan de tinieblas los espacios
y las almas de sueños!

José Asunción Silva

José Asunción Silva (November 27, 1865 in Bogotá – May 23, 1896 in Bogotá) was a Colombian poet. He is considered one of the founders of Spanish-American Modernism.

'PERPLEXIDADE II'


(Red Fort in Delhi, India)

Que imperceptível clamor rói as muralhas do tempo?
Quem nos impõe essa expectativa diante do dia que não chega,
essa efusão diante da inércia e da indiferença das coisas,
essa ternura pelo que não se confia,
essa ternura pelo que nunca será senão um breve relâmpago
no fundo dos olhos indormidos?

Por que, nessa viagem através do que resiste,
em torno das fortalezas impenetráveis
onde para sempre resta adormecida a grande resposta,
por que não se revela o que apenas escutamos
como suspiro de vento,
leve suspiro de aragem?

Por que permitem que contornemos as montanhas solitárias
que se erguem dentro de nós, trágicas e altas,
como um silencioso apelo inexorável?
Por que as coisas se conservam assim, esfíngicas e hirtas,
se nelas pressentimos palpitar
o sentido de nossa própria solidão?

Alphonsus de Guimaraens Filho
in: 'Só a noite é que amanhece'

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

'Ilusões'




Velas fugindo pelo mar em fora…
Velas…pontos - depois … depois vazia
a curva azul do mar onde, sonora,
canta do vento a triste salmodia…

Partem pandas e brancas… Vem a aurora
e vem a noite após, muda e sombria…
E, se em porto distante a frota ancora,
é p’ra partir de novo em outro dia…

Assim as Ilusões. Chegam, garbosas,
palpitam sonhos, desabrocham rosas
na esteira azul das peregrinas frotas…

Chegam… Ancoram ‘alma um só momento;
logo, as velas abrindo, amplas ao vento,
fogem p’ra longe solidões remotas


Medeiros e Albuquerque
(in A Circulatura do Quadrado, Alguns dos Mais belos Sonetos de Poetas cuja Mátria é a Língua Portuguesa, Edições Unicepe, 2004)

"Melancolia"



Vão-se os dias passando e cada dia
que chega, traz consigo as mesmas cores
desta perene e atroz melancolia
que me prende num círculo de horrores!

Se desta dor que tanto me crucia,
busco esquecer-me, procurando amores,
neles somente encontro - que ironia!
-novos motivos para novas dores!...

E assim vivendo, eu vou como um precito
que por estradas lúgubres caminha,
rasgando os pés em pontas de granito.

Que importa a mim que a luz do sol se ria,
se é tão profunda esta tristeza minha,
que eu já nem sei se fui alegre um dia!

Emilio Kemp
in Cantos de Amor ao Céu e à Terra-1.942

'SONS PERDIDOS'




Vês o céu, a campina, a natureza,
Este campo infinito de poesia?
Vês as nuvens doiradas que se agitam
Ao cair da neblina em pleno dia?

Vês as garças que pairam sonolentas
Nesta praia isolada que me inspira?
Pois, cantor, o que vês, tudo pertence
Da minh'alma sonora à rude lira.

Serenatas de brisa - vozes soltas
De folhagem bolida pelo vento,
tudo n'alma me cai como um idílio,
Tudo acolhe a sorrir meu pensamento.

Amo a terra somente pelas flores,
Pelas brumas azuis do alvorecer,
Pelas asas gentis das borboletas
Que me fazem de inveja estremecer.

Amo o céu à tardinha pelas cores
Que ele ostenta a sorrir ao pôr-do-sol;
Amo os raios da lua em noite bela...
Amo as nuvens fagueiras do arrebol.

Amo as brisas do mar - as brisas mansas
Que me inspiraram sonhos de alegria;
Que embalsama a terra onde adormeço
Ao balanço da rede em pleno dia.

A minha alma é formada de harmonias
E só vive de luz, de vibrações;
Como a flor que viceja à beira d'água,
Ela vive a cantar nas solidões.


Júlia da Costa
S. Francisco, 16-08-1882.
em 'Flores Dispersas' 3a Série

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

'Vendaval'



Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração!



Indômita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que há em mim!



Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
É o visto o que vê.



Ah, mágoa de ter consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles - teu pulso divida
Minh'alma do mundo!



Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
De eu ter que pensar!



Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque é que não entras no meu pensamento
Para ele morrer?



Horror de ser sempre com vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, é vento; do chão da existência,
De ser um lugar!



E, pela alta noite que fazes mais'scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.



E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já pária desfeito dos ares,
O meu coração!



Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!



Fernando Pessoa, 16-2-1920

“O CEMITÉRIO DE S.SEBASTIÃO DAS TRÊS ORELHAS”


(Cemitério S.Sebstião das Tês Orelhas,
Minas Gerais, Photo by Fernando Campanella)


Aqui sob três pedras
dormem mistérios
sonham calcários.
Aqui o silêncio é memória
e velas perpétuas choram.

O cemitério de São Sebastião
É um universo a capela
Onde a humanidade se despe
Corruíras descansam
E se agarram as gavinhas.

( F. CAMPANELLA)

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

'THE RAINY DAY '



The day is cold, and dark, and dreary
It rains, and the wind is never weary;
The vine still clings to the mouldering wall,
But at every gust the dead leaves fall,
And the day is dark and dreary.

My life is cold, and dark, and dreary;
It rains, and the wind is never weary;
My thoughts still cling to the mouldering Past,
But the hopes of youth fall thick in the blast,
And the days are dark and dreary.

Be still, sad heart! and cease repining;
Behind the clouds is the sun still shining;
Thy fate is the common fate of all,
Into each life some rain must fall,
Some days must be dark and dreary.


Henry Wadsworth Longfellow
In: Ballads and Other Poems
(One of my favorite poems)

'FLOWERS '




Spake full well, in language quaint and olden,
One who dwelleth by the castled Rhine,
When he called the flowers, so blue and golden,
Stars, that in earth's firmament do shine.

Stars they are, wherein we read our history,
As astrologers and seers of eld;
Yet not wrapped about with awful mystery,
Like the burning stars, which they beheld.

Wondrous truths, and manifold as wondrous,
God hath written in those stars above;
But not less in the bright flowerets under us
Stands the revelation of his love.

Bright and glorious is that revelation,
Written all over this great world of ours;
Making evident our own creation,
In these stars of earth, these golden flowers.

And the Poet, faithful and far-seeing,
Sees, alike in stars and flowers, a part
Of the self-same, universal being,
Which is throbbing in his brain and heart.

Gorgeous flowerets in the sunlight shining,
Blossoms flaunting in the eye of day,
Tremulous leaves, with soft and silver lining,
Buds that open only to decay;

Brilliant hopes, all woven in gorgeous tissues,
Flaunting gayly in the golden light;
Large desires, with most uncertain issues,
Tender wishes, blossoming at night!

These in flowers and men are more than seeming;
Workings are they of the self-same powers,
Which the Poet, in no idle dreaming,
Seeth in himself and in the flowers.

Everywhere about us are they glowing,
Some like stars, to tell us Spring is born;
Others, their blue eyes with tears o'er-flowing,
Stand like Ruth amid the golden corn;

Not alone in Spring's armorial bearing,
And in Summer's green-emblazoned field,
But in arms of brave old Autumn's wearing,
In the centre of his brazen shield;

Not alone in meadows and green alleys,
On the mountain-top, and by the brink
Of sequestered pools in woodland valleys,
Where the slaves of nature stoop to drink;

Not alone in her vast dome of glory,
Not on graves of bird and beast alone,
But in old cathedrals, high and hoary,
On the tombs of heroes, carved in stone;

In the cottage of the rudest peasant,
In ancestral homes, whose crumbling towers,
Speaking of the Past unto the Present,
Tell us of the ancient Games of Flowers;

In all places, then, and in all seasons,
Flowers expand their light and soul-like wings,
Teaching us, by most persuasive reasons,
How akin they are to human things.

And with childlike, credulous affection
We behold their tender buds expand;
Emblems of our own great resurrection,
Emblems of the bright and better land.


Henry Wadsworth Longfellow
In:Voices of the Night

'THE WAVE '



"Whither, thou turbid wave?
Whither, with so much haste,
As if a thief wert thou?"

"I am the Wave of Life,
Stained with my margin's dust;
From the struggle and the strife
Of the narrow stream I fly
To the Sea's immensity,
To wash from me the slime
Of the muddy banks of Time."


CHRISTOPH AUGUST TIEDGE
Translations
Henry Wadsworth Longfellow

terça-feira, 18 de novembro de 2008

'Élévation'




Au-dessus des étangs, au-dessus des vallées,
Des montagnes, des bois, des nuages, des mers,
Par delà le soleil, par delà les éthers,
Par delà les confins des sphères étoilées,

Mon esprit, tu te meus avec agilité,
Et, comme un bon nageur qui se pâme dans l'onde,
Tu sillonnes gaiement l'immensité profonde
Avec une indicible et mâle volupté.

Envole-toi bien loin de ces miasmes morbides;
Va te purifier dans l'air supérieur,
Et bois, comme une pure et divine liqueur,
Le feu clair qui remplit les espaces limpides.

Derrière les ennuis et les vastes chagrins
Qui chargent de leur poids l'existence brumeuse,
Heureux celui qui peut d'une aile vigoureuse
S'élancer vers les champs lumineux et sereins;

Celui dont les pensers, comme des alouettes,
Vers les cieux le matin prennent un libre essor,
-- Qui plane sur la vie, et comprend sans effort
Le langage des fleurs et des choses muettes!


Charles Baudelaire

domingo, 16 de novembro de 2008



As ondas quebram na areia,
dizem segredos perdidos...
Saudades da maré-cheia,
de barcos e tempos idos...

Segredos tristes, lamentos,
que o mar não pôde calar...
E foi dizê-los aos ventos,
aos pescadores, ao luar...

As ondas dizem na areia
saudades de tempos idos...
Segredos da maré-cheia,
de barcos tristes
- perdidos.


Daniel Filipe,
in ' Missiva'

"Brumas"



Nas brumas dos meus silêncios
Nascem visões encantadas,
Com ninfas, bruxas e fadas,
Sonhos de amor, sempre densos.

Nas brumas dos meus silêncios,
Onde os mistérios são nada,
Surgem paixões exaltadas,
Feitas desejos, imensos.

Nascem lembranças, eivadas
De sensações adiadas
E cheiros breves, intensos,

Sem ilusões ansiadas,
Em desespero, guardadas
Nas brumas dos meus silêncios.


Vitor Cintra
in " Murmúrios"

sábado, 15 de novembro de 2008

'A casa da bruma'



Entraram na casa da bruma.
Aos poucos seus olhos acomodaram-se
aos contornos imprecisos. Estava
tudo sombrio, era tudo difuso.
Também se viam um ao outro
sem contrastes, seus rostos não mudavam
suas expressões eram sempre as mesmas,
sempre encobertas pela mesma névoa.
Esqueceram-se do mundo que havia lá fora,
da luz, da dor, da alegria,
da mentira, a emoção, os beijos,
da amizade e do amor. Negaram
qualquer verdade ou perfil ameaçadores.
E ficou-se-lhes o coração ambíguo.

Amalia Bautista

'He Wishes for the Cloths of Heaven'



Had I the heavens' embroidered cloths
Enwrought with golden and silver light
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams
I have spread my dreams under your feet
Tread softly because you tread on my dreams.

W. B. Yeats

'i thank You God for most this amazing'




i thank You God for most this amazing
day: for the leaping greenly spirits of trees
and a blue true dream of sky; and for everything
which is natural which is infinite which is yes

(i who have died am alive again today,
and this is the sun's birthday; this is the birth
day of life and of love and wings: and of the gay
great happening illimitably earth)

how should tasting touching hearing seeing
breathing any -lifted from the no
of all nothing - human merely being
doubt unimaginable You?

(now the ears of my ears awake and
now the eyes of my eyes are opened)

e.e.cummings
(Edward Estlin Cummings)
'XAIPE', 1950

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

'NOITES'




Em todo entardecer escuto passos,
na estrada que se achega ao meu portão;
embora haja penumbra, vejo os traços
dos andarilhos... Deus! E quantos são!


Na casa, se assenhoram dos espaços,
percorrem cada palmo do meu chão.
Semblantes - de ventura tão escassos,
contemplam-me... E na dor me envolvo, então.


Porque nos olhos meigos dos meus sonhos,
o amor sulcou caminhos tão tristonhos,
onde apenas saudade floresceu!


À noite, em rito insano de agonia,
unidos, sonhos, eu... e a nostalgia...
Ninamos o que nos restou de teu.


Patricia Neme

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

'CORAÇÃO DE GUITARRAS'



Deixem minha alma se perder
onde quiser, até que encontre
seu grande amor de perdição.

Deixem minha alma se render
sem arrogância, sendo de flor
seu grande amor de rendição.

Permitam que ela fique muda
como sombra de minha pedra
no entardecer de uma canção.

Deixes minha alma com a tua
como acordes de uma cantiga
nas guitarras de um coração...

Afonso Estebanez

'CÂNTICOS'


(Manuel da Costa Athayde,Igreja São Francisco-Ouro Preto MG)

Certos cantares são quase eternos,
nascem de outros que sabem a outros
que beberam às fontes,
aos fundamentos do ar.

As trazemos do berço,
Ou de antes dos salmos,
certas canções,
anônimas, apócrifas,
acéfalas, só corações pulsantes
de lágrimas e pétalas.

Priscos diamantes -
Cantigas, idílios ou cânticos -
certos cantares seriam eternos
(Os anjos não considerados)
não fosse o princípio,
e desde o princípio
é então o verbo: amar.

(Fernando Campanella)

'VIII'




A vida encanta
porque passa
- canta, vida,
a arte repassa.

Fernando Campanella
Poemeto da série 'O Eu Confesso)

'XVII'


(Cedro do Líbano-Cedrus libani var. libani)

Dispus a madeira dos versos
junto a um carpinteiro
em sua atribuição usual.
Entregamo-nos a nossos misteres
e sentimos o aroma do cedro
assim como o das palavras
em mais raro primor talhadas.

Quem dera também eu pudesse
no sétimo dia descansar meu intento
como o bom carpinteiro

ou talvez como abelhas
no aconchego da arquitetura final.


Fernando Campanella
Poema da série 'O Eu Confesso'

domingo, 2 de novembro de 2008

About photography...


*(Flamboyant em Guaxupé, sul de MG)

"Photography, like an impressionist painting, achieves the pure art of the instant. In both, never will a landscape be the same and a bee court the same flower for that matter. Always an interaction of light's whimsies and moods, subtle interference of weather and the caleidoscopia of our emotions. However, like all good art, a photo eternizes the printed shapes, the captured poetry. Photography discloses new angles and beautifies the impermanency of glance."
F.Campanella

"A fotografia, como uma tela de um impressionista, faz a pura arte do instante. Nelas, uma paisagem nunca é a mesma, uma abelha nunca cortejará a mesma flor, sempre interagindo o capricho da luz, a sutil interferência do tempo e o caleidoscópio de emoções. Mas, como toda boa arte,
uma foto eterniza as formas que imprime, a poesia que capta. A fotografia revela novos ângulos e embeleza a impermanência do olhar."

(F. Campanella)

*Photography by Fernando Campanella.

Minas Gerais







Todos cantam sua terra, eu a fotografo. Porém, Minas não é apenas o meu berço, o meu torrão herdado. Em seus montes, serpenteando a Mantiqueira, suas árvores, anunciando as estações, suas aves, sua gente esquecida, sua tradição, e até em seu tédio, suas contradições, meus olhos, quando escrevo/fotografo, mais que a geografia, buscam a mim mesmo, uma certa beleza, as paisagens internas da alma.
Todos encantam sua terra, e se nela colocam a alma então a tornam universal.

(F.Campanella)

Everyone chants their land, I photograph it. Nevertheless, Minas isnt only my cradle, my native place. In its mounts wounding their ways through the Mantiqueira region, its trees heralding the seasons, its birds, its forgotten people, its tradition, and even in its boredom and contradictions, my eyes, more than the geography, search for my own self, a certain beauty, the innermost landscapes of soul.
Everyone enchants their land, and by placing the soul on it, they will render it universal.

(F.Campanella)


*Video edited by 'Laderzi´s Gallery

'A LA FRAGILIDAD DE LA VIDA HUMANA'



Nace el dia y la noche le dá muerte,
Brilla el sol y la niebla le sufoca,
Corre la nau y pierdese en la roca,
En su cuna la flor su tumba advierte,

Crese la planta, el tiempo la previerte,
El yelo ataja la corriente loca,
Y a todos finalmente en vida poca
Largo tormento ofrece esquiva suerte.

Alerta pues, humanas prezunciones,
No confianzas necias dén aliento
Al buelo osado, al ciego desvairo.

Cobrese el hombre en cuerdas atenciones,
Pues igualmente ejemplo y escarmiento
Le son dia, sol, nau, flor, planta y rio.

André Nunes da Silva
in Poesias várias, p. 58-1.671
(1630-1705)

'A fragilidade da vida humana'



Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.

Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse Estio em vesúvios incendido
Foi zéfiro suave, em doce agrado.

Se a nau, o Sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,

Olha, cego mortal, e considera
Que é rosa, Primavera, Sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.

Francisco de Vasconcelos Coutinho
in 'Fénix Renascida III'
(Portugal-1.665/1.723)

'Soneto'




Eu queria chorar pelos que não choram.
Eu queria chorar pelos olhos secos,
Pelos olhos que são fontes
Onde as mágoas se purificam e se libertam.

Eu queria chorar pelos corações feridos
E que sangram obscura e silenciosamente.
Eu queria chorar pelas almas mártires
Que estão invisivelmente entre nós.

Eu queria chorar pelos indiferentes
E pelos que escondem num sorriso
As decepções de uma incompreendida bondade.

Eu queria chorar pelas almas fechadas,
Pelas almas que são como os desertos
E que não conhecem a libertação das lágrimas!

Augusto Frederico Schmidt
1906-1965

QUANDO EU MORRER




Quando eu morrer o mundo continuará o mesmo,
A doçura das tardes continuará a envolver as coisas todas.
Como as envolve agora neste instante.
O vento fresco dobrará as árvores esguias
E levantará as nuvens de poesia nas estradas...

Quando eu morrer as águas claras dos rios rolarão ainda,
Rolarão sempre, alvas de espuma
Quando eu morrer as estrelas não cessarão de acender-se
no lindo céu noturno,
E nos vergéis onde os pássaros cantam as frutas
continuarão a ser doces e boas.

Quando eu morrer os homens continuarão sempre os mesmos.
E hão de esquecer-se do meu caminho silencioso entre eles,
Quando eu morrer os prantos e as alegrias permanecerão
Todas as ânsias e inquietudes do mundo não se modificarão.
Quando eu morrer os prantos e as alegrias permanecerão.
Todas as ânsias e inquietudes do mundo não se modificarão.
Quando eu morrer a humanidade continuará a mesma.
Porque nada sou, nada conto e nada tenho.
Porque sou um grão de poeira perdido no infinito.

Sinto porém, agora, que o mundo sou eu mesmo
E que a sombra descerá por sobre o universo vazio de mim
“Quando eu morrer...”


Augusto Frederico Schmidt
In "Nova Antologia Poética"
1906-1965

'SOMBRAS AMIGAS'



Sombras da noite, leves como as aves,
Aconchegos e frêmitos de amores,
Que em nossas asas de esquisitas cores
Subam para o Alto os meus anseios graves.

Sombras flébeis, tenuíssimas, suaves,
Emigras de um chão de negras flores,
Levari-me as mágoas e as secretas dores
Pelas mais altas e silenciosas naves...

Ascendendo às alturas das montanhas,
Que os meus anseios de ferais entranhas,
Que todo esse clamor de ansiedade,

Erre junto de nós, sombras da noite,
E numa estrela rútila se acoite,
Em busca de repouso e de piedade.

Araújo Figueiredo
(1864-1927)

'NIHIL'



Sem aos outros mentir, vivi meus dias
desditosos por dias bons tomando,
das pessoas alegres me afastando
e rindo às outras mais do que eu sombrias.

Enganava-me assim, não me enganando;
fiz dos passados males alegrias
do meu presente e das melancolias
sempre gozos futuros fui tirando.

Sem ser amado, fui feliz amante;
imaginei-me bom, culpado sendo;
e se chorava, ria ao mesmo instante.

E tanto tempo fui assim vivendo,
de enganar-me tornei-me tão constante,
que hoje nem creio no que estou dizendo.

Guimarães Passos
In ‘Horas Mortas’ (1901)


Vem cá meu coração, ó velho amigo
vamos ao cemitério, hoje é finados.
tantos sonhos nós temos sepultadinhos,
sonhos de amor que já sonhei contigo!

e partimos os dois, ele comigo
levando-me à necrópole, chegados,
encontrei meus castelos soterrados
não vi sequer um único jazigo.

o campo-santo era um jardinzinho florido..
só flores! e eu incrédulo e aturdido
indago ao coração, ele medita

e responde num tom de quem não era:
cada flor que tu vires sobre a terra
é uma ilusão de amor que resssucita.

Paulo Fénder
(1912-1981)

'ESPERANÇA E SAUDADE'



Sorte falaz a que nos guia a vida!
Por que há de ser tão rápida a ventura,
Que só a amamos quando é já perdida
Ou depende de uma época futura?

O que ao presente, mal nos afigura,
Era esperança, há pouco apetecida,
E uma vez no passado, eis que perdura
Como saudade que não mais se olvida.

Há sempre queixas do atual momento,
E entre as datas se eleva o pensamento,
Como uma ponte de sombrio aspeto.

Em busca da ventura que ignoramos,
Temos saudade ao bem que não gozamos,
Ilusão de ilusões, sonho completo.

Augusto de Lima
(1859-1934)

'VOLTA AO PASSADO'


(Campa da Lenda 4 irmãos-Portugal-)


Quis rever em memória o santo abrigo
Onde deixei as ilusões dormindo.
"Vou despertá-las", murmurei, partindo,
"E hei de trazê-las outra vez comigo".

Nova e última ilusão. No sítio antigo,
Jardim outrora florescente e lindo,
Já ninguém dorme. Tudo é morto e findo.
Só de cada ilusão resta um jazigo:

Campas sem epitáfio... Agora é tudo
Um cemitério pavoroso e mudo,
Bem que inda de flores se alcatife.

E dos ciprestes na última avenida,
Vejo a última ilusão que me convida,
Martelando nas tábuas de um esquife!


Augusto de Lima