A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

"SONETO DA IMPERFEIÇÃO"



É possível que esse mar
de tanto bater na encosta
pare no âmago da forma
d’alma perfeita da rocha

E é possível que o vento
degrane tanto o rochedo
que esbarre no substrato
do ser de pedra perfeito.

E tanto comigo mesmo
vou lutar estando preso
libertar meu ser preciso.

O que for remanescente
(o que dói e se ressente)
nem sempre é definitivo.


A. Estebanez

"POEMA DA PEDRA BRUTA"



Eu pedra bruta do tempo
que me passou esquecido
no inventário do momento
de viver de eu ter morrido
percorro o longo decurso
de todo o tempo perdido.

Eu profetas de gomorras
ruir de torres tombadas
sodomas de meus sentidos
de extintas almas salgadas
artesão de antigos sonhos
de mãos rudes algemadas.

Eu perdido se me encontro
sensível ao que não sente
descaminho de um futuro
de algum passado presente
vou pedra fingindo a carne
e sangue fingindo a gente.

Eu castelos de crepúsculos
naus sombrias sobre vagas
eu mortalha dos moluscos
de esperanças naufragadas
faz-se em mar a minha vida
das marés que são choradas.

Eu templo de deuses mortos
becos tortos sem calçadas
vendo o mundo das janelas
que o amor deixou fechadas
sou um elo entre essas vidas
que se atraem separadas.

Hoje sou pastor de rios
sentinela das colinas
mirante das fortalezas
nas ameias das neblinas...
É por mim que à noite
os ventos vêm chorar
sobre as ruínas.


A. Estebanez
(Afonso Estebanez Stael-RJ-Brasil)

sábado, 19 de janeiro de 2008

"NOCHE DE LUNA LLENA"



Noche blanca en que el agua cristalina
duerme queda en su lecho de laguna
sobre la cual redonda llena luna
que ejército de estrellas encamina

vela, y se espeja una redonda encina
en el espejo sin rizada alguna;
noche blanca en que el agua hace de cuna
de la más alta y más honda doctrina.

Es un rasgón del cielo que abrazado
tiene en sus brazos la Naturaleza;
es un rasgón del cielo que ha posado

y en el silencio de la noche reza
la oración del amante resignado
sólo al amor, que es su única riqueza.


Miguel de Unamuno

"AS HORAS"




As Horas cismam no ar parado:

— Passado.
As Horas bailam no ar fremente:
— Presente.

As Horas sonham no ar obscuro:
— Futuro.



Da Costa e Silva
in "Poesias Completas" edições "O cruzeiro" 1.950
Imagem
Marc Chagal

"O HOMEM QUE VOLTA"



Quando fui, com o meu sonho ingênuo e lindo,
Pelas estradas amplas, luminosas,
Vinham as Graças desfolhando rosas.
Ergui os olhos para os céus, sorrindo,
A beleza da vida pressentindo...

Quando vim, com o meu tédio miserando,
Pelos estreitos e áridos caminhos,
Iam as Parcas espalhando espinhos...

Baixei o olhos para o chão, chorando,
E fiquei para sempre meditando...


Da Costa e Silva

"VITA NUOVA"



Outrora pretendi que a vida fosse
um jardim em florida primavera,
um recanto de bosque, ameno e doce,
com flores presas em guirlandas de hera.

Apenas comecei minha jornada
vi como tristes eram os caminhos.
Em vez de flores enfeitando a estrada
em cada ramo só encontrava espinhos.

Mas cantando chegaste, ao sol-poente,
a fronte luminosa engrinaldada
e um lírio branco te florindo a mão.

Tornou-se o céu mais claro e transparente,
e a sombra má que me toldava a estrada
mudou-se em rosas, recobrindo o chão!.


Alfredo Cumplido Sant'anna

"BEM-VINDO AMADO..."



Bem-vindo ao meu mundo calado...
Sinta-se em casa, pouse em meu coração.
Traga alegria que há muito já não o habita.
Venha desarmado, traga paz e acalanto.

Cante doce melodia qual rouxinol na minha janela.
Traga flores...As mais belas e perfumadas!
Pinte um quadro que traduza imensa harmonia...
Observe meu devaneio...Sinta o ar romântico que me rodeia...

Conceda-me uma dança e descubras pueril contentamento.
Convide-me a caminhar contigo...Dê-me tua mão.
Silencie as palavras e olha-me...Saberei o que dizes.
E caso a ternura neles eu venha encontrar,
Serás então meu amado...Eternamente bem-vindo.

Cida Luz
19/11/07
Nova poetisa que entra para o coração dos admiradores,com toda força poética e maestria, panegíricos à parte!
Te desejamos toda ventura do mundo, para o lançamento do novo livro!
Maravilhosa, Cida Luz!

"OLHAS OS AMANHECER"



Olhas o amanhecer,
vives o amanhecer como o único instante
em que o céu é entreaberto segredo de um deus mudo.

Espera: algo vai se revelar e deves estar pronto
para mergulhar teu sonho num poço de luz casta.

O intocado te espera. E amanhece. E te iluminas
como se trincasses com os dentes a polpa do absoluto.


Alphonsus de Guimarães Filho
in Luz de Agora, Editora Cátedra, Rio de janeiro, 1991

DESPEDIDA



Dizer adeus ao mistério daquela porta cerrada
à luz fosca desse dia abandonado.
Que severa parecias, longínqua e inviolada
flor deste inverno findando.
Recolhi-me entre os crisântemos
que te vestiam tristonhos:
tanto abandono querida uma parede tão dura
impermeável ao pranto à ternura
levados para te dar. Ao meu sim de desalento
nenhuma resposta ou lamento,
nada. Teu segredo, só ele persistia.
Fiquei noturna, olhando teu esquivo dia.



Dora Ferreira da Silva
Cartografia do Imaginário , T.A. Queiroz, Editor, 1999

"VALSAS DE ESQUINA DE MIGNONE"



Só um pássaro
e seu peso de orvalho tocando
o chão como se foram teclas.
Passa onde a graça
ilumina a cidade de ferro
subitamente atenta a essa beleza.


Nos jardins teimam rosas
delicadamente.
Violetas africanas
salpicam de ouro
muros escuros
e as princesas purpúreas
espiam dos balcões verdes
nas paredes florescidas:
dançam pétalas
dança a vida
nos jardins contentes
não termina a partitura
que se repete
sempre.


Dora Ferreira da Silva
in "Poesia reunida"
Illustration
Jack Vettriano

'INTERROGAÇÃO'



Sozinho, sozinho, perdido na bruma.
Há vozes aflitas que sobem, que sobem.
Mas, sob a rajada ainda há barcos com velas
e há faróis que ninguém sabe de que terras são.

- Senhor, são os remos ou são as ondas o que dirige o meu barco?
Eu tenho as mãos cansadas
e o barco voa dentro da noite.


Emílio Moura

"COMO A NOITE DESCESSE..."



Como a noite descesse e eu me sentisse só, só e desesperado diante dos horizontes que se fechavam
gritei alto, bem alto: ó doce e incorruptível Aurora! e vi logo
só as estrelas é que me entenderiam.

Era preciso esperar que o próprio passado desaparecesse,
ou então voltar à infância.
Onde, entretanto, quem me dissesse
ao coração trêmulo:
- É por aqui!

Onde, entretanto, quem me dissesse
ao espírito cego:
- Renasceste: liberta-te!

Se eu estava só, só e desesperado,
por que gritar tão alto?
Por que não dizer baixinho, como quem reza:
- Ó doce e incorruptível Aurora...

se só as estrelas é que me entenderiam?


Emílio Moura

"IN EXTREMIS"



Antes isso. Agora chegou o momento em que o teu espírito não terá mais dúvida.
A fogueira está acesa, os homens desvairados, e a noite caminha como uma fatalidade.
Procura uma só estrela dentro da noite: tua esperança há de morrer antes que os teus olhos
já estejam fatigados
e a melodia do vento já haja desaparecido sob o fragor e a fúria dos elementos.

Antes isso. A pedra fala, o vento eleva-se, a terra agita-se.
Que pranto é esse que rola em silêncio sobre tantas faces iluminadas?
(Choram as fontes, tremem as árvores, a noite está deserta ...)
Que mãos são essas que, de repente, cessam de amaldiçoar e se aquietam em êxtase?

Senhor! Do fundo dos corações obscuros ainda há, entretanto, corações feridos que
transbordam humildemente de esperança e de reconhecimento,

e lábios que oram:
- Sim, na verdade, Ele era o Esperado – e se enchem, Senhor, de espanto e de silêncio.



Emílio Moura
Itinerário Poético

"CANÇÃO DE CRISTAL"



Onde a menina, a inocência
Que acendia a terra e os mares
O sorriso cuja essência
Enchia de azul os ares

Fugiam, se aparecia
As sombras e os noitibós
Era a manhã de alegria
Com rios claros na voz

Era o que ninguém mais ninguém era

Mudava toda penumbra
nesses jardins de quimera
Que o sol cantante deslumbra

Em sua presença havia
Rosas, orvalho, esplendor...
Era a manhã de alegria
Toda em pássaros de amor.

Auras leves, sons de sino, ouro
E lilás pelos vales
Tudo trouxe ao meu destino
Mudando em luz os meus males

Trouxe o milagre do dia
Para que estrela emigrou?
Era a manhã de alegria
Por que, mal veio a lua, acabou?


Murilo Araújo
in "Carrilhões"

"FRONTEIRAS"



Os cedros, a lua, os túmulos
geraram este silêncio,
ou do silêncio nasceram
cedros, túmulos e lua?

Indiscerníveis limites:
não podemos saber nunca
se triste é este pobre mundo,
se nós é que somos tristes.


Tasso da Silveira
Poemas Tristes – l.966 –

"NOTURNO'



Veleiro ao cais amarrado
em vago balouço, dorme?
Não dorme. Sonha, acordado,
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.

Se acaso me objetardes
que veleiro não é gente
e, assim, não sonha nem sente,
sem orgulhos nem alardes
eu direi: por que haveria
de falar-vos do homem triste
mas de olhar grave e profundo
que, à amargura acorrentado
sonha, no entanto, que vive
toda a beleza do mundo?

Melhor é dizer: Veleiro...
veleiro ao cais amarrado,
sob as límpidas estrelas.
Vela branca é uma alma trêmula,
sobretudo se cai sombra
do alto abismo constelado.
Veleiro, sim, que não dorme
mas na silente penumbra
sonha, ao balouço, acordado
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.


Tasso da Silveira
In Tasso da Silveira - Poemas
Organização e seleção de Ildásio Tavares
ABL/Edições GRD, São Paulo, 2003

domingo, 13 de janeiro de 2008

"O último dia de trabalho do pôr-do-sol no mar(ou do penoso ofício de sonhar)"



Havia o mar na sombra do horizonte
havia o pôr-do-sol na água sombria
havia o porto e a encosta do mirante
e os corpos dos amantes na mortalha
da água fria...

Havia as naus no dorso dos destinos
e a brisa que saudava a volta ao cais
com os corais dos cantos peregrinos
das harpas e violinos dos noturnos
vendavais...

Havia como um repousar do mundo
nos profundos jardins das enseadas
havia vasta ausência no mais fundo
das almas insepultas que sonhavam
acordadas...

Havia o céu de estrelas rutilantes
e havia o mar de ninfas reluzentes
e a corrente de espumas flutuantes
das errantes escunas entre luzes
fluorescentes...

Havia como um êxtase em preparo
talvez a luz em seu estado impuro:
mais parte escura do seu lado claro
do que mais parte clara do seu lado
escuro...

Agora onde era o mar há o oceano
o poente sem sonhos naufragados...
Jaz agora no cais em ritmado sono
o pertencido amor dos navegantes
afogados...

Ainda há aves mortas no convés
e há naves ancoradas sem destino
o declínio de auroras dispersadas
pelas marés da saudade em pleno
desatino...

Ficou uma canção de marinheiro
e um canto rústico de pescadores
o pôr-do-sol no doloroso encanto
de renascer, sonhar, depois morrer
sem dores...



Afonso Estebanez